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    Prefeitura de Lages, SC


     

    A Floresta Amazônica envolta em mistério

    DO CORRESPONDENTE DE DESPERTAI! NO BRASIL

    OS ÍNDIOS irimaraí que habitavam às margens do rio Napo, no Peru, mal podiam crer no que viam! Dois navios de vela redonda, bem diferentes de suas próprias canoas esguias, aproximavam-se de sua aldeia. Eles viram guerreiros barbudos a bordo — diferentes de qualquer outra tribo que já tinham visto. Desnorteados, os índios correram para se esconder e ficaram observando os alienígenas de pele branca desembarcar, surrupiar o estoque de alimentos da aldeia e zarpar novamente — entusiasmados pela ideia de fazer história como primeira expedição a cruzar a inteira floresta tropical úmida, da cordilheira dos Andes ao oceano Atlântico.
    Durante aquele ano, 1542, uma tribo indígena atrás da outra sofreu um choque similar, à medida que esses exploradores europeus, empunhando bestas e arcabuzes (armas medievais), se embrenhavam cada vez mais na floresta tropical da América do Sul.
    Francisco de Orellana, o capitão espanhol que chefiava esses conquistadores, logo descobriu que as notícias sobre suas pilhagens e tiros corriam mais depressa do que seus dois patachos (navios). Tribos indígenas mais abaixo no rio (perto da atual cidade brasileira de Manaus), com as suas flechas de prontidão, aguardavam os 50 e poucos invasores.
    E esses índios atiravam bem, admitiu um membro da tripulação, Gaspar de Carvajal. Ele falou de experiência própria, pois uma das flechas indígenas penetrou entre suas costelas. “Se não fosse o tecido grosso da minha batina”, anotou o frade ferido, “isso teria sido o meu fim”.

    ‘Guerreiras que valem por dez homens’

    Carvajal passou a descrever a força por trás desses índios arrojados. ‘Vimos mulheres combatendo à frente dos homens, como capitãs. Essas mulheres são brancas e altas, com longos cabelos trançados e enrolados na cabeça. São robustas e, de arco e flecha na mão, são combatentes que valem por dez homens.’
    Se esses exploradores realmente viram essas guerreiras, ou se, como diz certa fonte, foi “uma simples miragem provocada pela febre malárica”, não se sabe. Mas, segundo pelo menos alguns relatos, na época em que Orellana e Carvajal chegaram à foz do caudaloso rio e penetraram no oceano Atlântico, eles criam ter vislumbrado a versão Novo Mundo das Amazonas, as ferozes guerreiras descritas na mitologia grega.
    O frade Carvajal preservou a história das Amazonas Americanas para a posteridade, incluindo-a no seu relato de primeira mão a respeito da expedição de Orellana, que durou oito meses. O Capitão Orellana, por sua vez, velejou para a Espanha, onde fez um relato vívido sobre a sua jornada ao longo do que ele, lendariamente, chamou de Río de las Amazonas, ou rio Amazonas. Não muito tempo depois, cartógrafos do século 16 faziam um novo acréscimo ao emergente mapa da América do Sul — a Amazônia. Foi assim que a floresta amazônica ficou envolta em mistério, mas, agora, ela é afligida por realidades.

    O futuro sombrio da floresta tropical úmida

    Vista de um avião, a floresta tropical amazônica parece um espesso carpete de tamanho continental, tão verde e novinha em folha como quando Orellana a colocou no mapa. No chão, ao caminhar com dificuldade pela mata quente e úmida, esquivando-se de insetos do tamanho de pequenos mamíferos, você descobre que é difícil dizer onde termina a realidade e começa a fantasia. O que parece ser uma folha pode na verdade ser uma borboleta; um cipó, uma cobra, e um pedaço seco de madeira um assustado roedor que foge velozmente. Na floresta amazônica, fato ainda se mistura com ficção.
    “A maior ironia”, diz certo observador, “é que a realidade amazônica é tão fantástica como seus mitos”. E é fantástica! Imagine uma floresta do tamanho da Europa Ocidental. Recheie-a com mais de 4.000 espécies de árvores. Adorne-a com a beleza de mais de 60.000 espécies de plantas floríferas. Pinte-a com as brilhantes matizes de 1.000 espécies de aves. Enriqueça-a com 300 espécies de mamíferos. Sature-a com o zumbido de talvez dois milhões de espécies de insetos. Agora você compreende por que todos os que descrevem a floresta tropical amazônica acabam usando superlativos. Nada menos do que isso faria justiça ao fervilhante legado biológico dessa que é a maior floresta tropical úmida da Terra.

    Os isolados “mortos-vivos”

    Noventa anos atrás, o escritor e humorista americano Mark Twain descreveu essa fascinante floresta como “terra encantada, terra prodigamente rica em maravilhas tropicais, terra misteriosa em que todas as aves, as flores e os animais mereciam ser exibidos em museus, e em que todos os jacarés, os crocodilos e os macacos vivem tão à vontade como se estivessem num zoológico”. Hoje, essas palavras espirituosas de Twain sofreram uma distorção inquietante. Museus e zoológicos talvez sejam em breve os únicos refúgios para um crescente número das maravilhas tropicais da Amazônia. Por quê?
    A causa principal, obviamente, é a derrubada da floresta pelo homem, que destrói o lar natural da flora e fauna da região. Contudo, além da destruição indiscriminada do habitat, há outras causas, mais sutis, que estão transformando espécies de animais e de plantas, embora ainda vivos, em “mortos-vivos”. Em outras palavras, as autoridades acham inevitável a extinção dessas espécies.
    Uma dessas causas é o isolamento. Autoridades governamentais favoráveis à preservação talvez banam a motosserra num determinado bolsão da floresta para assegurar a sobrevivência de espécies ali. Contudo, a perspectiva final que uma pequena ilha-floresta oferece para tais espécies é a morte. O informe Protecting the Tropical Forests—A High-Priority International Task (Proteger as Florestas Tropicais — Tarefa Internacional de Alta Prioridade) ilustra com um exemplo por que pequenas ilhas-florestas não sustentam a vida por muito tempo.
    Árvores tropicais muitas vezes são constituídas de macho e fêmea. Para se reproduzirem, elas contam com a ajuda de morcegos que transportam o pólen das flores machos para as flores fêmeas. Naturalmente, essa polinização ocorre apenas se as árvores estiverem dentro dos limites de alcance de vôo do morcego. Se a distância entre uma árvore fêmea e uma árvore macho tornar-se grande demais — como muitas vezes acontece quando uma ilha-floresta acaba rodeada por um oceano de terra ressequida — o morcego não consegue cobrir a lacuna. As árvores, diz o informe, tornam-se então “‘mortos-vivos’, pois a sua reprodução, a longo prazo, não é mais possível”.
    Esse vínculo entre árvores e morcegos é apenas uma das relações que constituem a comunidade natural amazônica. Em termos simples, a floresta amazônica é comparável a uma suntuosa mansão que oferece casa e comida para muitos indivíduos diferentes, porém estreitamente interligados. Para evitar a superlotação, os habitantes da floresta tropical úmida vivem em diferentes andares, alguns perto do chão da floresta, outros lá na copa das árvores. Todos os moradores têm tarefas a cumprir, e eles trabalham 24 horas por dia — alguns de dia, outros de noite. Se se permitir que todas as espécies executem tranqüilamente as suas tarefas, essa complexa comunidade de flora e fauna amazônica funcionará com precisão cronométrica.
    O ecossistema da Amazônia (“eco” vem de oikos, a palavra grega para “casa”) é, porém, frágil. Mesmo que a interferência humana nessa comunidade florestal se limite a explorar algumas espécies, a ruptura do ecossistema repercute em todos os andares da casa-floresta. O conservacionista Norman Myers estima que a extinção de uma única espécie de planta pode acabar contribuindo para a extinção de até 30 espécies de animais. E, visto que a maioria das árvores tropicais, por sua vez, depende dos animais para a dispersão de sementes, o extermínio de espécies de animais, pelo homem, leva à extinção das árvores às quais eles servem. (Veja o quadro “A interação árvore-peixe”.) Assim como o isolamento, romper relações consigna mais e mais espécies florestais às fileiras dos “mortos-vivos”.

    Pequenos cortes, pequenas perdas?

    Alguns justificam o desmatamento de pequenas áreas alegando que a floresta se recuperará e criará uma nova cobertura verde sobre o terreno desmatado, assim como o corpo cria pele nova depois de um corte no dedo. Certo? Bem, não exatamente.
    Naturalmente, é verdade que a floresta devastada renasce, caso o homem a deixe em paz por tempo suficiente. Mas também é verdade que a nova cobertura de vegetação é tão diferente da floresta original como uma fotocópia de má qualidade é diferente de um original excelente. Ima Vieira, botânica brasileira, estudou uma área de floresta recuperada, de um século de existência, na Amazônia. Ela descobriu que, das 268 espécies de árvores que cresciam na floresta primária, apenas 65 fazem parte da nova floresta hoje. Essa mesma diferença, diz a botânica, vale para as espécies de animais da região. Portanto, embora o desmatamento não esteja transformando, como alguns dizem, florestas verdes em desertos vermelhos, está realmente transformando partes da floresta tropical amazônica em pobres imitações da original.
    Além disso, a derrubada de até mesmo uma pequena área da mata não raro destrói muitas plantas e animais rastejantes e trepadores que procriam e vivem apenas naquele segmento da floresta, e em mais nenhum outro lugar. Pesquisadores no Equador, por exemplo, encontraram 1.025 espécies de plantas numa certa área de 1,7 quilômetro quadrado de floresta tropical. Mais de 250 dessas espécies não crescem em mais nenhum outro lugar na Terra. “Um exemplo local”, diz o ecologista brasileiro Rogério Gribel, “é o sauim-de-coleira”, um charmoso macaquinho que parece estar usando uma camiseta branca. “Os poucos que restam vivem apenas num pequeno bolsão da mata perto de Manaus, no Amazonas central, mas a destruição desse pequeno habitat”, diz o Dr. Gribel, “exterminará essa espécie para sempre”. Pequenos cortes, mas grandes perdas.

    Arrancando o “tapete”

    O desmatamento indiscriminado, contudo, prenuncia o mais alarmante futuro para a floresta tropical amazônica. Construtores de estradas, madeireiros, mineradores e muitos outros estão destruindo a floresta como se estivessem arrancando um tapete do chão, arrasando ecossistemas inteiros num piscar de olhos.
    Embora haja profunda discordância sobre os números exatos da taxa anual de destruição da mata no Brasil — estimativas conservadoras indicam 36.000 quilômetros quadrados por ano — o total da floresta amazônica já destruído pode ser mais de 10%, uma área maior do que a Alemanha. Veja, o principal semanário brasileiro, publicou que os fazendeiros que derrubam e queimam as matas produziram cerca de 40.000 focos de incêndio no país, em 1995 — cinco vezes mais do que no ano anterior. O homem está incendiando a floresta com tal vigor, alertou Veja, que partes da Amazônia parecem um “inferno na fronteira verde”.

    Espécies estão desaparecendo; e daí?

    ‘Mas’, alguns perguntam, ‘precisamos mesmo de todos esses milhões de espécies?’ Sim, precisamos, argumenta o conservacionista Edward O. Wilson, da Universidade de Harvard. “Visto que dependemos de ecossistemas operacionais para limpar a nossa água, enriquecer o nosso solo e criar o próprio ar que respiramos”, diz Wilson, “é óbvio que a biodiversidade não é algo para se descartar descuidadamente”. Diz o livro People, Plants, and Patents (Pessoas, Plantas e Patentes): “O acesso à abundante diversidade genética será a chave da sobrevivência humana. Se a diversidade acabar, nós também logo acabaremos.”
    Realmente, o impacto da destruição das espécies vai muito além de árvores tombadas, animais ameaçados de extinção e nativos molestados. (Veja o quadro “O fator humano”.) O encolhimento das florestas pode afetar você. Pense nisso: um lavrador em Moçambique cortando talos de mandioca; uma mãe no Usbequistão tomando uma pílula anticoncepcional; um menino ferido em Sarajevo recebendo morfina; ou uma freguesa numa loja de Nova York provando uma fragrância exótica — todas essas pessoas, observa o Instituto Panos, de Londres, usam produtos originários de florestas tropicais. A floresta intacta, portanto, serve a pessoas em todo o mundo — incluindo você.

    Nem banquete nem fome

    Admitidamente, a floresta tropical amazônica não pode oferecer um banquete mundial, mas pode ajudar a prevenir uma fome mundial. (Veja o quadro “O mito da fertilidade”.) Em que sentido? Bem, nos anos 70, o homem começou a semear, em larga escala, algumas variedades de plantas que produziram enormes colheitas. Embora essas superplantas tenham ajudado a alimentar 500 milhões de pessoas a mais, há um porém. Visto que lhes falta variação genética, essas plantas são fracas e vulneráveis a doenças. Um vírus pode dizimar a supersafra de uma nação, provocando fome.
    Portanto, para produzir safras mais resistentes e evitar a fome, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) recomenda agora o “uso de uma variedade mais ampla de material genético”. E é aqui que entra a importância das florestas tropicais úmidas e seus habitantes originais.
    Visto que as florestas tropicais abrigam mais da metade das espécies de plantas do mundo, (incluindo umas 1.650 espécies com potencial de produzir alimentos), o viveiro da Amazônia é o local ideal para qualquer pesquisador à procura de espécies de plantas silvestres. Além disso, os habitantes da floresta sabem como utilizar essas plantas. Os índios caiapós, do Brasil, por exemplo, não apenas cultivam novas variedades mas também preservam amostras de reserva numa espécie de banco genético nas encostas de morros. O cruzamento dessas variedades silvestres com as vulneráveis espécies domesticadas reforça o vigor e a resistência das culturas de alimentos do homem. E esse empuxo é urgentemente necessário, diz a FAO, pois “é preciso um aumento de 60% na produção de alimentos nos próximos 25 anos”. Apesar disso, enormes tratores arrasa-florestas avançam cada vez mais fundo na mata amazônica.
    As conseqüências? Bem, a destruição das matas tropicais pelo homem é bem comparável ao fazendeiro que come as sementes reservadas para o plantio — ele mata a sua fome imediata, mas põe em risco safras futuras. Um grupo de especialistas em biodiversidade recentemente alertou que “a conservação e o desenvolvimento da remanescente diversidade de cultivos é assunto de vital preocupação global”.

    Plantas promissoras

    Venha agora à “farmácia” florestal, e verá que o destino do homem está interligado com as trepadeiras e outras plantas tropicais. Por exemplo, alcalóides extraídos de trepadeiras amazônicas são usados como relaxantes musculares nas cirurgias; 4 de cada 5 crianças com leucemia são ajudadas a viver mais tempo graças às substâncias químicas encontradas na boa-noite, uma flor silvestre. A floresta também fornece quinina, usada no combate à malária; digitalina, para tratar insuficiência cardíaca; e diosgenina, usado em pílulas anticoncepcionais. Outras plantas são promissoras na luta contra a Aids e o câncer. “Só na Amazônia”, diz um informe da ONU, “foram catalogadas 2.000 espécies de plantas usadas como remédio pela população nativa e que têm potencial farmacológico”. Mundialmente, segundo outro estudo, 8 em cada 10 pessoas tratam suas doenças com plantas medicinais.
    Portanto, faz sentido salvar as plantas que nos salvam, diz o Dr. Philip M. Fearnside. “A perda da floresta amazônica é considerada um virtual grave revés nos esforços de encontrar a cura do câncer humano. . . . A noção de que os feitos brilhantes da medicina moderna permitem-nos dispensar grande parte dessas reservas [de plantas silvestres]”, acrescenta, “representa uma potencialmente fatal forma de temeridade”.
    Não obstante, o homem prossegue destruindo animais e plantas mais rápido do que podem ser encontrados e identificados. Você se pergunta: ‘Por que o desmatamento continua? Pode-se reverter a tendência? Será que a floresta amazônica tem futuro?’

    O fator humano

      A ruptura do ecossistema e o desmatamento estão prejudicando não apenas as plantas e os animais, mas também os seres humanos. Cerca de 300.000 índios, o remanescente dos 5.000.000 que outrora habitavam a região amazônica brasileira, ainda vivem integrados ao seu meio ambiente florestal. Os índios são cada vez mais perturbados por madeireiros, garimpeiros, mineradores e outros, muitos dos quais consideram os índios como “obstáculos ao desenvolvimento”.
      Há também os caboclos, uma gente rija de ascendência branca e indígena, cujos antepassados se instalaram na Amazônia uns 100 anos atrás. Morando em casas sobre palafitas às margens de rios, talvez nunca tenham ouvido a palavra “ecologia”, mas eles vivem da floresta sem destruí-la. No entanto, o seu dia-a-dia está sendo afetado pelas ondas de migrantes que invadem os seus domínios.
      De fato, em toda a floresta amazônica, o futuro de uns 2.000.000 de colhedores de castanhas, seringueiros, pescadores, e outros nativos, que convivem harmoniosamente com os ciclos da floresta e o regime das águas, é incerto. Muitos acreditam que os esforços de preservação das florestas deviam ir além de proteger pés de mogno e peixes-boi. Deviam proteger também os habitantes humanos das florestas.

    O mito da fertilidade

      A ideia de que o solo amazônico é fértil, diz a revista Counterpart, é um “mito difícil de extinguir”. No século 19, o explorador Alexander von Humboldt chamou a Amazônia de “celeiro do mundo”. Um século depois, o presidente americano Theodore Roosevelt também achou que a Amazônia prometia boas safras. “Uma terra tão rica e tão fértil não deve permanecer ociosa”, escreveu.
      Na verdade, o lavrador que pensa assim como eles pensavam descobre que, por um ano ou dois, a terra produz uma boa safra, pois as cinzas das árvores e das plantas carbonizadas servem de fertilizante. Mas, depois disso, o solo fica estéril. Embora o verde exuberante da mata pareça indicar a existência de um solo fértil, o solo é, na verdade, o ponto fraco da floresta. Como assim?
      Despertai! falou sobre isso com o Dr. Flávio J. Luizão, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, especialista em solo de floresta tropical úmida. A seguir, alguns de seus comentários:
      ‘Diferente de muitos outros solos de floresta, a maior parte do solo da bacia amazônica não recebe nutrientes a partir de sua base, de rochas em decomposição, pois a rocha-mãe é pobre em nutrientes e profunda demais. Em vez disso, o solo recebe nutrientes de cima para baixo, da chuva e do húmus. Contudo, tanto as gotas de chuva como as folhas caídas precisam de ajuda para se tornarem nutritivas. Por quê?
      ‘A chuva que cai na floresta não é muito rica em nutrientes. Mas, ao atingir as folhas e escorrer pelos troncos das árvores, ela recolhe nutrientes das folhas, dos galhos, dos musgos, das algas, dos formigueiros, do pó. Quando essa água se infiltra no solo, já se transformou num bom alimento para as plantas. Para que esse alimento líquido não escoe simplesmente para os córregos, o solo detém os nutrientes, por meio de um emaranhado de raízes finas dispostas numa camada de vários centímetros debaixo da terra. Uma prova da eficácia disso é que os córregos que recebem essa água da chuva têm conteúdo nutritivo ainda mais pobre do que o próprio solo da floresta. Assim, os nutrientes penetram nas raízes antes que a água entre nos córregos ou nos rios.
      ‘Outra fonte de alimentos é o húmus — folhas, raminhos e frutos caídos. Cerca de oito toneladas de excelente húmus se forma por ano num hectare de piso florestal. Mas, como é que esses resíduos penetram no solo até o sistema de raízes das plantas? Os cupins ajudam. Eles cortam pedacinhos de folha em forma de discos, e os carregam para seus ninhos subterrâneos. Especialmente durante a estação chuvosa, eles formam um grupo laborioso, levando para o subterrâneo espantosos 40% de todo o húmus. Ali, eles usam as folhas para construir canteiros para o cultivo de fungos. Esses fungos, por sua vez, decompõem a matéria vegetal e liberam nitrogênio, fósforo, cálcio e outros elementos — nutrientes valiosos para as plantas.
      ‘O que é que os cupins ganham com isso? Alimentos. Eles comem os fungos e talvez engulam também uns fragmentos de folhas. Daí, os microorganismos nos intestinos dos cupins se encarregam de transformar quimicamente o alimento dos cupins, de modo que o excremento desses insetos vira um alimento nutritivo para as plantas. Portanto, a chuva e a reciclagem de matéria orgânica são dois dos fatores que sustentam e fazem crescer a floresta tropical úmida.
      ‘É fácil ver o que acontece se você derruba e queima a floresta. Desaparecem a copa para interceptar a chuva e o húmus para reciclar. Em vez disso, as chuvas torrenciais batem forte no solo desnudo, e seu impacto endurece a superfície. Ao mesmo tempo, os raios solares que atingem diretamente o solo aquecem e compactam o terreno. Com isso, as águas da chuva escorrem com facilidade, alimentando os rios, em vez de o solo. A perda de nutrientes de terras desmatadas e queimadas pode ser tão grande que os cursos de água perto dessas terras chegam a sofrer de excesso de nutrientes, pondo em risco a vida de espécies aquáticas. Obviamente, se deixada em paz, a floresta sustenta a si mesma, mas, a interferência do homem prenuncia desastre.’

    A interação árvore-peixe

      Durante a estação chuvosa, o rio Amazonas transborda e inunda as árvores das regiões ribeirinhas. No auge das cheias, a maioria dessas árvores dão fruto e deixam cair sementes — mas, evidentemente, não há roedores submersos para dispersá-las. Aí entra em cena o peixe tambaqui, um quebra-nozes flutuante, de faro bem aguçado. Nadando entre os galhos de árvores inundadas, ele fareja as árvores que estão em vias de deixar cair bagas ou sementes. Quando as bagas caem na água, o peixe quebra as cápsulas com as suas fortes mandíbulas, engole os caroços, digere a parte comestível, e os deposita, como excremento, no chão da floresta, onde eles germinam com o recuo das águas. O peixe e a árvore se beneficiam. O tambaqui acumula reservas de gordura, e a árvore se reproduz. Cortar essas árvores ameaça a sobrevivência do tambaqui e de mais umas 200 outras espécies de peixes que comem bagas ou sementes.

    A busca de soluções

    ‘Ao discutir os efeitos de um problema, é fácil esquecer-se das suas causas’, disse, em essência, o autor inglês John Lyly. Para evitar esse laço, é imperioso lembrar-se de que o futuro sombrio das florestas tropicais é mero reflexo de problemas mais profundos, e que a destruição das florestas continuará, a menos que sejam atacadas as causas subjacentes. Que causas são essas? As “forças fundamentais que atacam a preservação da Amazônia”, diz um estudo da ONU, são “a pobreza e a injustiça humana”.

    Uma revolução não-tão-verde-assim

    A devastação das florestas, dizem certos pesquisadores é, em parte, um efeito colateral da “revolução verde”, que deslanchou décadas atrás nas regiões Sul e Centro do Brasil. Antes dela, milhares de famílias de pequenos lavradores subsistiam ali cultivando arroz, feijão e batata, junto com a criação de alguns animais. Daí, grandes operações mecanizadas de produção de soja e projetos hidroelétricos engoliram as suas terras e substituíram o gado e as culturas locais por produtos agrícolas destinados ao consumo de países industrializados. Apenas entre 1966 e 1979, as terras destinadas ao cultivo de produtos de exportação aumentaram 182%. Com isso, 11 de cada 12 lavradores tradicionais perderam suas terras e seus meios de subsistência. Para eles, a revolução verde acabou sendo uma revolução tenebrosa.
    Para onde poderiam ir esses lavradores sem terra? Políticos, esquivando-se do problema da distribuição injusta de terras na sua própria região, ofereceram-lhes uma saída, promovendo a região amazônica como “terra sem homens para homens sem terra”. Dez anos depois da abertura da primeira rodovia transamazônica, mais de dois milhões de lavradores pobres do Sul e do carente e seco Nordeste brasileiro já haviam se estabelecido em milhares de casebres ao longo da rodovia. Com a construção de novas estradas, mais prospectivos lavradores se deslocaram para a Amazônia, prontos para transformar a floresta em terras de lavoura. Num retrospecto sobre esses programas de colonização, os pesquisadores dizem que “o balanço de quase 50 anos de colonização é negativo”. A pobreza e a injustiça têm sido “exportadas para a Amazônia”, e “criaram-se novos problemas na região”.

    A recomendação de três medidas

    Para ajudar a atacar as causas do desmatamento e melhorar as condições de vida do homem na floresta amazônica, a Comissão do Desenvolvimento e Meio Ambiente da Amazônia publicou um documento recomendando que, entre outras coisas, os governos na bacia amazônica tomem três medidas iniciais. (1) Atacar os problemas econômicos e sociais nas regiões pobres fora da floresta amazônica. (2) Usar a floresta intacta e reutilizar as áreas já desmatadas. (3) Tratar das graves injustiças da sociedade — as verdadeiras causas dos flagelos humanos e da destruição das florestas. Examinemos essas três medidas propostas.

    Investir

    Atacar os problemas socioeconômicos. “Uma das melhores opções para reduzir o desmatamento”, observa a comissão, “é investir em algumas das áreas mais pobres dos países amazônicos, aquelas que obrigam as populações a migrar para essa região em busca de um futuro melhor”. No entanto, os membros da comissão acrescentam que “essa opção raramente é cogitada nos planos de desenvolvimento nacional ou regional ou pelos que, nos países industrializados, defendem a diminuição drástica das taxas de desmatamento na Amazônia”. Contudo, explicam os especialistas, se autoridades e governos estrangeiros preocupados aplicarem sua técnica e seu apoio financeiro à solução de problemas, tais como o da má distribuição de terras ou a pobreza urbana nas regiões próximas à Amazônia, estarão diminuindo o fluxo de lavradores para a Amazônia e ajudando a salvar a floresta.
    Mas, o que se pode fazer pelos pequenos lavradores que já vivem na Amazônia? A subsistência deles depende de cultivos em solo impróprio para a lavoura.

    Preservar a floresta em favor das árvores

    Usar e reutilizar a floresta. “As florestas tropicais são superexploradas, porém subaproveitadas. Desse paradoxo depende a sua salvação”, diz The Disappearing Forests (Florestas em Extinção), uma publicação da ONU. Em vez de explorar a floresta abatendo-a, dizem os especialistas, o homem devia usar a floresta extraindo, ou colhendo, seus produtos, tais como frutas, castanhas, óleos, borracha, essências, plantas medicinais e outros produtos naturais. Tais produtos, alegadamente, representam “uns 90% do valor econômico da floresta”.
    Doug Daly, do Jardim Botânico de Nova York, explica por que ele acredita que cambiar da atividade de destruição para a atividade extrativista da floresta faz sentido: “Isso aplaca o governo — ele não vê grandes áreas da Amazônia serem tiradas do mercado. . . . Pode proporcionar meios de subsistência e trabalho para as pessoas, e preserva a floresta. É muito difícil encontrar algo negativo a dizer sobre isso.” — Wildlife Conservation.
    Preservar a floresta em favor das árvores realmente melhora as condições de vida dos habitantes da floresta. Pesquisadores de Belém, no norte do Brasil, por exemplo, calcularam que transformar um hectare em pasto para o gado dá um lucro anual de apenas 25 dólares. Assim, apenas para ganhar o salário mínimo mensal do Brasil são necessários 48 hectares de pasto e 16 cabeças de gado. Contudo, segundo a revista Veja, o hipotético fazendeiro poderia ganhar muito mais extraindo os produtos naturais da floresta. E a gama de produtos à espera de colheita é surpreendente, diz o biólogo Charles Clement. “Há dezenas de espécies de vegetais, centenas de espécies de frutas, resinas e óleos que podem ser administrados e colhidos”, acrescenta o Dr. Clement. “Mas o problema é que o homem precisa aprender que a própria floresta é a fonte de riquezas e não um empecilho nesse sentido”, concluiu.

    Reaproveitamento de terras devastadas

    O desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente podem caminhar juntos, diz João Ferraz, um pesquisador brasileiro. “Veja a quantidade de floresta já destruída. Não há necessidade de cortar mais floresta primária. Em vez disso, podemos recuperar e reutilizar as áreas já desmatadas e degradadas.” E, na região amazônica, o que não falta é terra para recuperar.
    A partir de fins dos anos 60, o governo brasileiro subsidiou enormes somas para incentivar grandes investidores a transformar a floresta em pastos. Eles fizeram isso, mas, como explica o Dr. Ferraz, “os pastos estavam degradados depois de seis anos. Mais tarde, quando todo mundo percebeu que foi um enorme erro, os grandes proprietários de terra disseram: ‘OK, recebemos um bom dinheiro do governo’, e debandaram”. O resultado? “Cerca de 200.000 quilômetros quadrados de pastos abandonados estão se degradando.”
    Atualmente, contudo, pesquisadores como Ferraz estão encontrando novas utilizações para essas terras degradadas. Em que sentido? Alguns anos atrás eles plantaram 320.000 mudas de pés de castanha-do-pará (castanha-da-amazônia) numa fazenda de gado abandonada. Hoje, essas árvores já produzem frutos. Visto que crescem rapidamente e produzem também boa madeira, mudas de castanha-do-pará estão sendo plantadas em terras desmatadas em várias partes da bacia amazônica. A extração de produtos, ensinar os lavradores a cultivar plantas perenes, adotando métodos de extração de madeira sem danificar as florestas e revitalizar terras degradadas, são, na opinião dos especialistas, alternativas racionais que podem ajudar a manter intacta a floresta. — Veja o quadro “Empenhados na preservação”.
    Não obstante, dizem os especialistas, salvar as florestas exige mais do que recuperar terras degradadas. É preciso mudar a natureza humana.

    Como endireitar o que está torto

    As injustiças. O comportamento humano injusto, que viola os direitos de outros, muitas vezes é causado pela ganância. E, como disse o antigo filósofo Sêneca, “para a ganância, a natureza inteira ainda é pouco” — incluindo a vasta floresta amazônica.
    Em contraste com os sofridos lavradores pobres da Amazônia, industriais e donos de grandes extensões de terra desnudam as florestas para engordar as suas contas bancárias. Certas autoridades dizem que nações ocidentais também são culpadas por terem contribuído em larga escala para a ação das motosserras na Amazônia. “Os ricos países industrializados”, concluiu um grupo de pesquisadores alemães, “contribuíram largamente para o já existente dano ambiental”. A Comissão do Desenvolvimento e Meio Ambiente da Amazônia diz que a preservação da Amazônia exige nada menos que uma “nova ética global, uma ética que produza um estilo aprimorado de desenvolvimento, baseado na solidariedade humana e na justiça”.
    No entanto, contínuas nuvens de fumaça sobre a Amazônia são um lembrete de que, malgrado os esforços de homens e mulheres do mundo inteiro preocupados com o meio ambiente, transformar idéias racionais em realidade revela ser tão difícil como agarrar fumaça com as mãos. Por quê?
    As raízes dos vícios, como a ganância, estão entranhadas fundo no tecido da sociedade humana, muito mais fundo do que as raízes das árvores da Amazônia no solo da floresta. Embora devamos pessoalmente fazer tudo o que pudermos para ajudar a preservar a floresta, não é realístico esperar que os humanos, embora sinceros, consigam desarraigar as profundas e emaranhadas causas da destruição das florestas. O que o antigo Rei Salomão, um sábio observador da natureza humana, disse uns três mil anos atrás ainda é verdade. Se depender só de esforços humanos, “aquilo que foi feito torto não pode ser endireitado”. (Eclesiastes 1:15) Isso é similar ao ditado “o pau que nasce torto, morre torto”. Não obstante, as florestas tropicais ao redor do mundo têm futuro. Como assim?

    Vislumbres do futuro

    Uns cem anos atrás, o escritor brasileiro Euclides da Cunha ficou tão impressionado com a fabulosa profusão de formas de vida da floresta amazônica que a descreveu como “página inédita e contemporânea do Gênesis”. E, embora o homem continue danificando e rasgando essa “página”, a Amazônia intacta ainda é, como diz o documento Amazonia Without Myths (Amazônia sem Mitos), “um símbolo nostálgico da Terra como ela era na época da Criação”. Mas, por quanto tempo ainda?
    Considere o seguinte: a floresta amazônica, e as outras florestas do mundo, são prova viva da existência de, como disse Euclides da Cunha, “uma inteligência singular”. Das raízes às folhas, as árvores da floresta proclamam ser a obra de um arquiteto-mor. Assim sendo, permitirá esse Grande Arquiteto que homens gananciosos destruam as florestas e arruínem a Terra? Uma profecia bíblica responde a essa pergunta com um sonoro Não! Diz ela: “As nações ficaram furiosas, e veio teu próprio furor [de Deus] e o tempo designado para . . . arruinar os que arruínam a terra.” — Revelação (Apocalipse) 11:18.
    Mas, queira notar que essa profecia não diz apenas que o Criador atacará a raiz do problema eliminando os gananciosos, mas que fará isso nos nossos dias. Com que base afirmamos isso? Ora, a profecia diz que Deus agirá numa época em que a humanidade estiver ‘arruinando’ a Terra. Quando isso foi escrito, quase dois mil anos atrás, a humanidade não era suficientemente numerosa nem tinha os meios para arruinar a Terra. Mas a situação mudou. “Pela primeira vez na sua história”, diz o livro Protecting the Tropical Forests—A High-Priority International Task, “a humanidade hoje tem condições de destruir os pilares de sua própria sobrevivência, não apenas em regiões ou setores específicos, mas em escala global”.
    “O tempo designado” para o Criador agir contra “os que arruínam a terra” está próximo. A floresta amazônica e outros ambientes naturais em perigo têm futuro. O Criador cuidará disso — e isso não é mito, é realidade.

    Empenhados na preservação

      Uma área de uns 400.000 metros quadrados de exuberante floresta secundária, na cidade de Manaus, no centro da Amazônia, abriga as várias repartições do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), do Brasil. Essa instituição, de 42 anos de existência, com 13 diferentes departamentos cobrindo tudo de ecologia a silvicultura e saúde humana, é a maior organização de pesquisas da região. Abriga também uma das mais ricas coleções de plantas, peixes, répteis, anfíbios, mamíferos, aves e insetos da Amazônia, do mundo. O trabalho dos 280 pesquisadores do instituto está contribuindo para a melhor compreensão das complexas interações dos ecossistemas da Amazônia. Os visitantes deixam o instituto com uma sensação de otimismo. Apesar das restrições burocráticas e políticas, cientistas brasileiros e estrangeiros arregaçaram as mangas para trabalhar pela preservação da rainha das florestas tropicais úmidas do mundo: a Amazônia.

    Fonte: (Despertai 22/03/1997)